12.06.2011

alguns dias atrás, quando o inverno tinha chegado

Hoje não me apetece ver mais ortos a preto e branco, cisto aneurismal ou cisto glóbulo-maxilar nos dentes inclusos. Hoje acordei com nostalgia de escrever. Pensava eu que esta vontade não me iria surgir, ainda por cima nesta casa em que não me sinto em casa, dá-me ideia de habitar, por empréstimo, o lugar de um outro que não conheço e que, a qualquer momento, vai entrar e mandar-me embora, falta-me o sentido de propriedade do que quer que seja.
Nas ruas do Porto já se sente o frio de inverno, sabe bem vestir um casaco e umas botas. Sabe bem escrever. Por isso hoje não quero mais olhar para a eminência articular ou para a fossa mandibular. Quero sentir o perfume que baila no ar, a chuva que cai como se fosse rainha, vou comprar um livro. Almoço qualquer coisa para a barriga não resmungar e chamo o elevador.
Lá fora está um caos, ainda há uma semana estávamos todos a dar mergulhos no mar como crianças. Já ninguém se lembrava de como era o inverno. Se eu soubesse dizer-te o que sinto. Se pudesse abrir o peito para tu veres lá dentro, cheio de postais ilustrados, com pombinhos e fitas cor de rosa, um menino, mascarado de palhaço, com uma única lágrima a cair. Se calhar já não há nada disso, como o mundo mudou.
A livraria mais próxima ainda fica longe, ou talvez eu seja esquesita e só queira aquela, que fica na rua mais típica ainda com a calçada à portuguesa, que tem uma escadaria feita pelos nossos antepassados e com cheiro a recordações. O meu livro está no meio de outros tantos, que não sei se algum dia terão o privilégio de sentir o conforto de uma casa. Vou-me embora, com a alma mais preenchida. Agora em casa à luz do candeeiro, com o som do vento e da chuva, com o gato a sonhar na sua manta, eu leio. Recordo-me dos azulejos que dizem "entra amigo a casa é tua", do Sr. Alcino e da Srª. Florinda, que nostalgia do que se calhar já não existe.

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